A propósito de Saramago
Quando julgamos que determinados valores são mandados às urtigas eis que algures alguém se encarrega de nos demonstrar que não é bem assim.
É o que sucede aqui na nossa vizinha Espanha. Estamos perto do dia dos defuntos - 1 de Novembro - e há quem pretenda celebrar o ritual religioso desse dia sobre uma vala comum onde se encontram 140 republicanos executados entre Maio de 1939 e Março de 1942.
Mas um simples cidadão de nome Julian Esteban Rivera encarrega-se de repor tudo no seu lugar ao questionar se se trata de "provocação religiosa" ou de simples "erro de apreciação" o facto de o seu tio, fuzilado em 21 de Outubro de 1941 "por defender a Constituição espanhola de 1931" e por isso ser considerado como "rebelde traidor", ser alvo agora de uma eucaristia católica, a celebrar no próximo dia 1 de Novembro.
É inaudito que no lugar onde foram abandonadas vítimas tão significativamente desafectas da religião católicas como anarquistas, comunistas, socialistas, simples republicanos, agnósticos e ateus se celebre uma eucaristia católica.
Numa altura em que as hostes cá no burgo se mostram escandalizadas pelo livro e declarações de Saramago sobre a Bíblia não posso deixar de saudar Julian Esteban Rivera pelo facto de pedir à autarquia que desautorize a celebração daquele acto religioso ao mesmo tempo que considero uma humilhação para aquelas 140 vítimas do franquismo a celebração deste acto religioso sobre a sepultura na qual se encontram pessoas que, como o seu tio, renegaram em vida toda a crença religiosa ainda para mais quando essa mesma crença estava ao serviço daqueles que os assassinaram.