![]()
Eu sei que o post será longo mas acho que vale a pena conhecer a história de dois heróis africanos. Nonkosi Ndalasi, que hoje tem 66 anos, começou a sua carreira como enfermeira em 1963, o período mais cruel e desesperado da era do apartheid para os sul-africanos negros como ela, com Nelson Mandela na prisão e o resto dos dirigentes ANC a ponto de serem detidos. O sistema negava-lhe o voto, a educação decente, a liberdade de circulação, o acesso aos parques, às praias, aos autocarros e aos locais públicos reservados aos brancos. Recorda o terror de ver os blindados da polícia entrar no seu bairro, perto da cidade de Port Elizabeth, na África do Sul, e quando os soldados irrompiam na sua casa e levavam as facas de cozinha por suspeita de que poderiam ser utilizados como armas "terroristas".
Chegou a libertação quando Mandela foi eleito presidente em 1994, mas a alegria desse momento durou pouco, porque quase imediatamente começou a estender-se a epidemia da sida, que converteu a África do Sul no país com o maior número de pessoas vivas com HIV, cinco milhões ou mais na actualidade, uma geração perdida, como no tempo da guerra. Enfermeira pediátrica até à sua reforma, em 2001, nestes seus últimos anos de trabalho viveu obcecada e de serviço noite após noite.
Pelo menos uma vez por semana vêm vê-la crianças que sofreram abusos sexuais. Em muitos casos contraíram o HIV, numa época em que não existia nenhum tratamento na África do Sul e o vírus equivalia a uma sentença de morte.
"Nalguns casos tinha que ver com a superstição que difundiam os curandeiros tradicionais de que a cura para a sida consistia em manter relações sexuais com um menor", conta, recordando a época mais deprimente da sua vida.
Mas não se deu por vencida, e agora, quando leva cinco anos de reformada, dedica-se plenamente à causa da próxima geração, cuja esperança se encarna num menino pequeno e fraco com quem não tem nenhum laço de sangue mas que o adora como se fosse o seu neto favorito.
"A primeira vez que vi Warrington, pensei: Este menino é muito, muito especial", conta, enquanto o abraça, tem 11 anos, pequeno, delgado, com o nariz cheio de moncos, esquisitamente doce e com um enganador ar de inocência. "É seropositivo desde que nasceu, e a sua mãe morreu quando tinha seis anos. Mas está cheio de amor - horroriza-o que insultem ou magoem outras crianças - e é muito valente. Chamo-lhe 'o activista', porque não só fala sem complexos da sua enfermidade, embora haja gente cruel que às vezes se ri dele, como insiste em ir por todas partes difundir a mensagem da prevenção e tratamento contra a sida".
Warrington que vive com uns pais de acolhimento terrivelmente pobres mas terrivelmente bondosos, fala habitualmente em programas de rádio sobre o HIV, fala nas escolas e nas igrejas.
As crenças populares de que ser seropositivo é estar embruxado e, portanto, socialmente estigmatizado, fizeram com que a tarefa de implantar os anti-retrovirais tenha sido muito má difícil do que poderia ter sido. E é aqui que intervêm Nonkosi e Warrington.
"A mensagem que transmito é que, antes de tudo, as pessoas devem superar o medo e deixarem fazer a prova do HIV", explica Nonkosi. "Em segundo lugar, devem ser sinceros sobre a sua condição se são sero-positivos, para poder obter tratamento e para que os seus familiares e amigos os apoiem. Terceiro, têm que seguir um regime de tratamento, que é muito rigoroso e deve ser observado durante o resto da sua vida. Esta última parte é o que consiste principalmente o meu trabalho: seguir a pista dos que não cumprem, viajar para todas as partes para encontrar crianças que, pelo que me informam os hospitais, no estão a seguir as regras dos anti-retrovirais".
Warrington o activista explica a mensagem de Nonkosi nas suas aventuras como pregador. "Explico às pessoas que os anti-retrovirais ajudam e que é um erro crer que nos fazem adoecer. Não me canso. Sempre me divirto. Mas advirto todos que, quando começam, têm que continuar ou, se não, voltarão a adoecer e porão as suas vidas em perigo. Se seguirem o tratamento curar-se-ão, como eu me curei. Na clínica vejo outras crianças que tomam os anti-retrovirais, e estão gordos e têm umas caras preciosas".
A boa notícia é que a tendência entre os jovens é prometedora. "Fui à pouco tempo a Queenstown fazer 36 provas e só deram positivas duas, ambas de gente adulta", conta.
A intenção de eliminar o estigma levou Nonkosi a escrever uma obra de teatro dirigida a crianças em idade escolar, cuja mensagem central, que todo o elenco grita no final da obra, é "vamos acabar com a sida em África! Vamos lutar contra o estigma! A sida não discrimina, as pessoas é que discriminam!". O seu grande aliado na causa, o seu paladino, é o seu pequeno amigo activista, Warrington. "Sou velha e às vezes canso-me, mas vejo o seu sorriso e ele me anima a continuar", disse, "olho-o e quero crer que o futuro é luminoso".
E cheio de meninos gordos, caras preciosas e com gente valente como estes dois.
Fonte: El País