Como antevi no post anterior o ditador argentino Jorge Videla foi ontem condenado a prisão perpétua pelo assassínio de 31 prisioneiros num cárcere da cidade de Córdoba.
Não é a primeira vez que o cabecilha do golpe militar de 1976 é conde-nado pelos crimes do regime que fez desaparecer 30.000 pessoas. Dois anos depois do restabelecimento do regime democrático na Argentina, em 1983, foi julgado, declarado culpado pelo assassinato e desapareci-mento de milhares de cidadãos durante o seu mandato presidencial e condenado a prisão perpétua, desabilitação absoluta e destituição da patente militar em 1985.
Cumpriu apenas cinco anos já que em 1990 o então presidente Carlos Saúl Menem o indultou. Mas 16 anos depois do Supremo Tribunal Argentino ter declarado inconstitucional tal amnistia sentou de novo o cu no mocho e finalmente foi condenado. Não ficará por aqui, já que o rol de crimes é extenso e por eles terá que responder em processos a decorrer.
Nas suas alegações finais, Videla, também conhecido pelo "Inquisidor" ou "Calígula" ainda teve tempo para insultar o povo argentino ao declarar que não houve uma” guerra suja” mas sim uma guerra justa, não se referindo é claro aos métodos repressivos utilizados, como o sequestro, a tortura e a pena de morte sumária, sem qualquer julgamento, nem tão pouco aludiu aos milhares de vítimas cujo único crime que cometeram foi ter nascido na Argentina de Videla.
Segue agora para a prisão acompanhado do comandante do Terceiro Corpo do Exército Luciano Menéndez, também ele condenado a prisão perpétua.
Repito o que disse ontem, que apodreçam na prisão e que o diabo tome conta deles.
NOTA:
Já aqui no blogue deixei alguns testemunhos de vítimas dessa ditadura tenebrosa que felizmente os actuais dirigentes da Argentina não deixam esquecer. É justamente por isso, porque por vezes a memória se apaga, que aqui deixo mais um relato que recolhi do El País em Agosto do ano passado, a história de Marcarena Gelman, neta do escritor argentino Juan Gelman:
Em 14 de Janeiro de 1977 "fui deixada numa cesta à porta de uma família que pensei serem os meus pais até que me inteirei que era filha de desaparecidos". Maria Macarena Gelman Garcia, neta do poeta argentino Juan Gelman, era tão pequena quando a abandonaram frente à porta de um ex-polícia uruguaio, há 33 anos, que não pode recordar nada das suas verdadeiras origens.
Até 2005 chamava-se Taurino Vivian, como os seus pais adoptivos. Foi nesse ano que a mulher que a havia criado durante toda a sua vida lhe revelou a verdade e que as respostas chegaram em aluvião. Ontem, durante a sua declaração no julgamento de alguns dos responsáveis máximos da Operação Condor - a manobra conjunta das ditaduras da América do Sul para eliminar a oposição - contou tudo o que outros lhe relataram durante a sua investigação, na qual o seu avô foi peça chave.
Macarena nasceu no cárcere clandestino do Serviço de Informação da Defesa de Montevideu em 1 de Novembro de 1976. Para ali levaram a sua mãe, Maria Claudia Gelman, depois de três meses de encarceramento no centro de detenção camuflado sob o nome "Automotores Orletti", onde a ditadura argentina encerrou 200 pessoas entre Maio e Novembro de 1976.
Ao seu pai, Marcelo, filho do prémio Cervantes da Literatura, tinham-lhe metido uma bala na nuca um mês antes. Os seus restos apareceram em 1989 dentro de um bidão cheio de cal. A mãe, que hoje (2010) rondaria os 57 anos, continua oficialmente desaparecida.
O casal, de 20 e 18 anos, foi sequestrado em 24 de Agosto de 1976. Os militares que os levaram procuravam o próprio Juan Gelman, perseguido pela extrema-direita, que entretanto fugira para o México.
"Foram torturados e suportaram permanentes ameaças de morte. Pensavam que representavam um perigo", relatou Macarena durante a sua intervenção. No banco dos réus sentavam-se o ex-agente civil dos serviços de inteligência do Exército Raúl Guglielminetti - um dos maiores responsáveis da repressão na Argentina, extraditado pela Espanha em 1985 -, um ex-coronel, um ex-general e dois ex-espiões, todos acusados de participar no sequestro, torturas e assassinato de 65 pessoas na "Automotores Orletti", um desses "campos de concentração" da ditadura, como lhes chamou o juiz-instrutor, Daniel Rafecas.
A jovem reconstruiu a sua própria história graças ao testemunho de outros detidos libertados posteriormente e de soldados uruguaios, como aquele que lhe contou como outros dois militares levaram a sua mãe em 22 de Dezembro, um mês e meio depois de dar à luz. "Por vezes tivemos que fazer coisas complicadas", disseram-lhe ambos. Até hoje não se soube mais dela.
PS – Talvez traga aqui em breve uma outra história, a de Ricardo "Conejo" Medina Blanco, o autor material da morte da mãe de Marcarena Gelman.