Estilhaços
Tudo ia bem enquanto a Wikileaks se limitava à denúncia de irregulari-dades governamentais, como assassinatos políticos no Quénia ou as negociações do arroz de Xanana Gusmão em Timor Leste, até lhe conce-deram um prémio através da revista "The Economist" em 2008.
Já não está nada bem quando as revelações incidem principalmente sobre documentos confidenciais ou secretos dos EUA que estão a provocar uma onda de estilhaços nos quatro cantos do globo, os mesmos quatro cantos onde aquele país se entretém a semear a discórdia.
Nem a Cimeira Ibero-americana que decorreu na Argentina escapou, as ausências tornaram-se notadas, impossível cobrir com uma manta aquilo que o diabo destapou.
Todos os ausentes vão dando uma desculpa politicamente correcta para esconder o óbvio. Zapatero esconde-se atrás de uma reunião do Conselho de Ministros, Evo Morales atrás de uma operação ao joelho...
Cristina Fernández, presidente da Argentina, também ela alvo das intrigas ardilosas dos senhores do Norte, mostra-se desolada ao mesmo tempo que tenta arranjar desculpas para aquilo que não tem desculpa.
Vários telegramas filtrados pela Wikileaks revelaram que a chefe de Estado argentina supostamente se comprometeu com os Estados Unidos a "cooperar" para debilitar o presidente de Bolívia, Evo Morales.
A única nota positiva que chega da cimeira é o facto de o Presidente das Honduras nem sequer ter sido convidado pela Argentina, país anfitrião. A União Sul-Americana das Nações (Unasur), que se reuniu no quadro da Cimeira para eleger o seu novo Secretário-geral depois da morte de Nestor Kirchner, não reconhece a legitimidade das "eleições" das quais saiu "eleito" Porfirio Lobo, realizadas após o golpe de Estado que derrubou o presidente Manuel Zelaya.
À cimeira tão pouco assistiram o presidente cubano, Raul Castro, nem Daniel Ortega, Presidente da Nicarágua, bem como Hugo Chavez a braços com as cheias no seu país.
Do mal, o menos, um dos objectivos da cimeira era aprovar o programa "Metas 2021", que prevê um investimento de 100.000 milhões de dólares para universalizar a alfabetização e garantir o acesso igualitário à educação. Foi aprovado, agora a ver vamos.
Cristina Fernandez por seu lado, com necessidade de limpar a face propôs que na declaração final da cimeira fosse aprovada uma "cláusula democratizadora" semelhante à aprovada pela Unasur na Guiana no passado dia 26 de Novembro com o fim de Espanha e Portugal se comprometerem também a impor sanções comerciais a todo o país que sofra um golpe de Estado. Com algumas alterações foi aprovada. Não sei porquê desconfio de alguns que a aprovaram. Na hora da verdade, a ver vamos mais uma vez...
Quem não esteve de modas foi o vice-presidente da Bolívia, Alvaro Garcia Linera. Alto e em bom som carregou contra a "diplomacia de espionagem e conspiração" dos Estados Unidos e instou os países da região, em especial a Argentina, a não cair na divisão.
"A transparência é a melhor defesa contra a conspiração. Não temos nada que ocultar. Não permitamos que estas informações, essa maneira de proceder criem distâncias entre nós, não pode ser, não nos podem dividir", afirmou dirigindo-se a Cristina Fernandez.
Garcia Linera aludia assim, sem o mencionar expressamente, às revelações sobre a vontade de Cristina Fernandez de colaborar com os Estados Unidos na sua estratégia na Bolívia e aos qualificativos de "pessoa difícil" que teria expresso quando se referiu ao presidente Evo Morales.
Ironicamente foi a Secretária de Estado, Hillary Clinton, que questionou a saúde mental da presidente da Argentina e pediu a diplomatas dos EUA que investigassem se ela toma remédios psiquiátricos. Cristina, não havia necessidade!...