Desde sexta-feira que o homem não vai à cama, José Gomes Ferreira ficou de serviço permanente desde que foi anunciado o chumbo do OE, já participou em mesas redondas, rectangulares, ovais e até mesmo quadra-das, em todas elas espeta o dedo ameaçando que aqueles que agora se regozijam com o chumbo cedo irão pagar a curta alegria, isto ia tudo bem enquanto eram os funcionários públicos e os reformados a chegarem-se à frente, não tem piada nenhuma se o governo resolver mexer nos impos-tos, assim vai perorando, mesa após mesa, hora após hora, ao mesmo tempo que sistematicamente vai apalpando o bolso do casaco para ver se ainda lá tem a carteira. Deve já ter uma conta calada de telemóvel, tem passado as horas a convidar comparsas para lhe dar uma mão até porque entende não ter graça nenhuma estar ali sozinho alapado a fazer toda a despesa. Não há alternativa, não se cansa de acentuar, devem ser os do costume a pagar a factura se não não tem piada nenhuma e quando lhe apareceu um desmiolado a lembrar-lhe a carga fiscal dos países nórdicos que por vezes tanto enaltece logo cortou cerce a conversa, isso não pode acontecer em Portugal, ao mesmo tempo que instintivamente levava mais uma vez a mão ao bolso interior do casaco.
Fico preocupado, claro que fico preocupado, não sei se o homem chegou a almoçar ou jantar, está visto não é de ferro, faz-me lembrar os desgraçados dos bombeiros que combatem o fogo horas e horas seguidas não tendo tempo sequer para cochilar uns minutos, não haverá por aí perto uma alma caridosa que lhe leve umas sandes e um copo de leite com mel? É que o raio da garganta também já deve estar a acusar o cansaço, vá lá, cheguem-se á frente, é neste momentos que se mostra a verdadeira solidariedade, também lhe podem levar um frasquinho de amoníaco, as bolas de naftalinas já sei que estão esgotadas, snifando ajuda, são os halterofilistas que o garantem e a empreitada que ele tem pela frente é mesmo de peso.