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Salvo-conduto

A erva daninha cresce todos os dias

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Salvo-conduto

25
Ago08

O depósito de viúvas

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13.000 indianas repudiadas por não terem marido mendigam em Vrindaban para viver. Milhares de fantasmas erram por Vrindaban. Mulheres vestidas na sua maioria de branco, sem sapatos e de cabeça rapada. Velhas encorvadas com os olhos cobertos por cataratas, mas também jovens, nalguns casos com filhos. O seu marido morreu, e com ele perderam o seu lugar na sociedade. Refugiam-se e deambulam nesta cidade, no norte da India, uma das mais sagradas porque aqui cresceu o poderoso Deus Krishna.

Chegam traídas pela família, que não quer ficar com elas. "Quando o meu marido morreu, fiquei sem nada, sem dinheiro e sem poder trabalhar. Não tenho filhos. Nada me podia ajudar. Por isso vim para Vrindaban. Aqui, Krishna protege e dá comida", diz Bashuna Das. Como ela, muitas chegam arrastadas pela miséria ou porque foram postas fora de casa pelos maridos. Umas 13.000 viúvas mal vivem da caridade neste povo e seus arredores, segundo um estudo do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM).

Bashuna considera-se afortunada. Está numa casa da ONG "Guild of Service". Outras vivem nas húmidas e caóticas ruas de Vrindaban, ou partilham habitações que o Governo ou fundações lhes alugam. Os "ashram" (metade asilo, metade convento) acolhem algumas de graça.

As viúvas são de mau agouro na India. Às vezes diz-se que são a causa da morte do marido. Segundo o Código de Manu, uma das escrituras sagradas mais antigas, uma mulher não será nunca independente. "Uma viúva deve sofrer muito antes de morrer, deve ser pura no corpo, pensamento e alma", diz o texto. O Skanda Purana vai mais longe: "Um homem sábio deve evitar as viúvas, como se fossem o veneno de uma serpente". Em Vrindaban compartilham a sua solidão e afastam-se um pouco deste desprezo. O Hare krishna rezado por centenas de gargantas comove até aos ossos Cantam durante quatro horas a troco de três rupias (cinco cêntimos). E, se têm sorte, levarão um punhado de arroz.

Algumas vêm pela religião, mas outras não têm escolha. As mais pobres carecem de educação, e as famílias vêm aqui livrar-se delas. O Governo dá-lhes uma pensão de 1.800 rupias por ano (30 euros), mas, para além de ser muito pouco, não chega a todas. Só 25% a recebe. A burocracia é muito complicada para elas, na sua maioria analfabetas. Outras não sabem que existe. Só lhes resta mendigar.

O número de jovens surprende. Deve-se ao costume de casar crianças com homens adultos. Por exemplo, Pratima Sharma foi obrigada a fazê-lo aos 17 anos com um homem rico, trinta anos mais velho. Ficou viúva aos 24 anos e com um filho de 6. Um segundo matrimónio é quase impossível.

Na India há 33 milhões de viúvas, segundo dados oficiais. Ainda que nem todas estejam em condições tão terríveis como as de Vrindaban, todas sofrem pelo menos o estigma social. A maioria não pode trabalhar e são maltratadas pela sua família.

Entretanto, a sociedade de alguma forma se escuda argumentando que estão em Vrindaban porque querem dedicar os seus últimos dias a falar com Deus. "A minha vida está vazia: não tenho nem para comer, mas estou cheia, porque tenho Krishna", diz Sarosati Banarjee com um sorriso de resignação. Ao terminar os cantos em ashram, desaparece entre as retorcidas ruelas da cidade das viúvas.

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