Ainda na ressaca da noite de óscares
Ainda não vi grande parte dos galardoados, diz quem segue o fenómenos da atribuição de perto que não houve surpresas, alguma terá havido, pelo menos o discurso de Asghar Farhadi o realizador iraniano do filme "Uma Separação" que ganhou o prémio para melhor filme de língua estrangeira, perante uma plateia de cenho carregado, enquanto Asghar Farhadi lia o discurso previamente escrito, claramente preocupada até onde iria Farhadi.
Talvez por isso a comunicação social "passou-lhe por cima", os que dele falam é mais para "enquadrar" o discurso, coisa que se "compreende" já que o mesmo falava de "guerra, intimidação e agressão" ou ainda "respeito por todas as culturas e civilizações apesar da hostilidade e ressentimento", nada que não estejamos já habituados.
Mas voltemos ao cinema e aos óscares, deixo-vos aqui um interessante artigo de Andre Barcinski que vale a pena ler e ao qual apenas corrigi os nomes dos filmes, brasileiro é pior que tuga no que à tradução dos títulos diz respeito. É de todo improvável saberem quem é André Barcinski, por isso aqui fica: é crítico do jornal Folha de São Paulo, 42 anos, vencedor do prémio do Júri do Festival de Sundance em 2001 pelo documentário "Maldito", é autor de "Barulho", vencedor do prémio Jabuti em 1992, e "Maldito - A Vida e o Cinema de José Mojica Marins" (2001).
"O Óscar e a infantilização do cinema
Nenhuma grande surpresa no Óscar. Eu apostava numa divisão dos principais prémios da noite, mas as vitórias de “o Artista” nas categorias filme, director e actor não podem ser consideradas zebras.
Se 2011 não ficará marcado como uma grande safra de filmes, pelo menos será lembrado como o ano em que o abismo entre o Óscar e o público americano tornou-se intransponível. Nunca houve um descompasso tão grande entre o gosto da Academia e o gosto do público.
Quer prova? Dos 40 filmes de maior bilheteria nos Estados Unidos em 2011, apenas um – “As Serviçais” – foi indicado ao prémio de melhor filme. Um em 40. Dos dez filmes de maior bilheteria em 2011, apenas um – “Thor” – não é uma continuação. E todos – repito, todos – são filmes que apelam ao público adolescente. Ou seja: o cinema adulto não faz mais sucesso.
Compare isso à década de 60, quando todos os vencedores do Óscar foram sucesso de bilheteria, de “O Apartamento” (1960) a “Perdidos na Noite” (1969). Dos campeões de bilheteria de cada ano entre 1960 e 1969, cinco foram indicados ao Óscar de melhor filme: “Lawrence da Arábia” (1962), “Cleópatra” (1963), “Mary Poppins” (1964), “Música no Coração” (1965) e “Funny Girl” (1968).
Os anos 70 não foram diferentes. Todos os vencedores de Óscar triunfaram na bilheteria: “Patton” (1970), “The French Connection” - (1971), “O Padrinho” (1972), “A Golpada” (1973), “O Padrinho – Parte 2” (1974), “Voando Sobre Um Ninho de Cucos” (1975), “Rocky” (1976), “Annie Hall” (1977), “O Caçador” (1978) e “Kramver vs. Kramer” (1979). Com raríssimas excepções, só filmaços.
Agora, compare isso ao que ocorreu de 1980 para cá: nos últimos 32 anos, apenas três filmes que ganharam o Óscar também foram campeões de bilheteria de seus respectivos anos: “Rain Man” (1988), “Titanic” - (1997) e “O Senhor dos Anéis” (2003). O que aconteceu nesse tempo? Como surgiu esse abismo entre o gosto da Academia e o gosto do público?
Uma palavra: “Tubarão”. Não é novidade que o filme de Spielberg mudou a história de Holllywood. Pela primeira vez, executivos perceberam que um filme poderia virar um “franchise”. “Tubarão” foi um dos primeiros filmes a estrear numa quantidade absurda de salas, e rendeu fortunas com sequências e produtos (para quem quiser se aprofundar no assunto, sugiro ler “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’Roll Mudou Hollywood”, grande livro de Peter Biskind sobre o cinema americano dos anos 70).
O que estamos vendo hoje é o auge da infantilização do cinema americano, iniciada com “Tubarão” e impulsionada por George Lucas e “Guerra nas Estrelas”. Então a culpa é de Spielberg e Lucas? Não. Eles simplesmente foram os garotos-propaganda de uma revolução comercial inevitável.
É só ver como a indústria da música, a partir dos anos 80, também descobriu o valor do público juvenil, para perceber que essa busca por um consumidor jovem, extremamente susceptível a propaganda e extrema-mente fiel, que não se importa de ver duas ou três sequências de seus filmes predilectos, faz todo sentido, se você é executivo e só está interessado em fazer dinheiro.
Enquanto isso, o público adulto migra para as séries de TV e dá mesada para os filhotes se divertirem com a enésima parte de “Harry Potter”. Na prática, os adultos estão pagando para destruir o seu próprio prazer de ir ao cinema.
Tempos estranhos os nossos…"