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Salvo-conduto

A erva daninha cresce todos os dias

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Salvo-conduto

20
Set08

Porque é que o protagonismo feminino é esquecido pela História?

salvoconduto

Recentemente tenho lido vários posts erguendo a sua voz contra a discriminação feminina e destacando o papel da mulher na sociedade actual. Dou-me conta de que também na  história o seu papel foi esquecido.

Atenho-me a uma região a que dedico especial atenção e, socorrendo-me de Maria Victoria Romero, Agência Jornalística do Mercosul (APM), verifico sem esforço o quanto isso é verdade.

A chegada ao poder de mulheres na América Latina, somada a uma maior participação nos espaços do debate político, significou um avanço na presença e ingerência de género no continente. Não obstante, ainda se percebem diferenças nesse âmbito, que tiram as mulheres de seu lugar, cuja raiz está numa herança histórica que minimizou o seu papel até silenciá-las.

A história da civilização está escrita sob essa óptica. Deus criou primeiro o homem e da sua costela saiu a mulher; o pecado original saiu de uma mulher e não de um homem; e  até o paraíso foi perdido pela humanidade por causa de uma mulher. Até Deus é homem! Paradoxos da humanidade, já que a história tem sido contada pelo género que a manteve, e mantém, a hegemonia dos relatos.

A história universal conta um relato desde a óptica dos vencedores e deixa de lado a visão dos oprimidos, na sua maioria negros e indígenas – e, sobretudo, mulheres. Silêncios e ausências que se repetem e constituem um relato masculino. Poucos se lembram ou sabem da participação e o protagonismo de mulheres na construção da história latino-americana.

Bartolina Sisa nasceu em tempos da mais recalcitrante opressão e despojo colonialista espanhol contra os indígenas. O comércio de folhas de coca e tecidos permitiu-lhe viajar por várias povoados do planalto andino e ver de perto a condição de servidão, os vexames e a escravidão a que era submetida sua população originária.

Morreu enforcada, torturada, flagelada, violada, arrastada a patadas num imenso charco de sangue, por conduzir em 1781, junto com o seu marido Túpac Katari, uma das rebeliões indígenas que marcaram o passado da América Latina.

Outra mulher que conduziu as lutas de independência foi Juana Azurduy, líder revolucionária que combateu na Guerra de Independência do Alto Peru. As crónicas da época contam que quando Manuel Belgrano a viu lutar, entregou-lhe a sua espada em reconhecimento à sua causa e à sua bravura. Foi ela quem ocupou em plena guerrilha o cerro de La Plata e tomou para si a bandeira inimiga. Com essa acção, o director supremo das  Províncias Unidas do Rio da Prata, Juan Martín de Pueyrredón, concedeu-lhe, em 1816, o grau de tenente-coronel do exército argentino em virtude de seu esforço.

Morreu aos 82 anos, esquecida e na miséria. Enterrada numa vala comum, sem honras ou glórias.

No livro "Juana Azurduy e as mulheres na revolução do Alto do Peru", a historiadora Berta Wexler demonstra que as mulheres conduziram e participaram de acções de guerra, discutiram estratégias e assumiram consequências como a tortura e a morte.

"A historiografia, como muitas disciplinas, esteve construída sob categorias em que o homem é o centro e o eixo sobre o qual giram, avançam e se explicam os sucessos históricos. É o homem quem protagoniza e dá importância ao desenvolvimento da humanidade", diz Martha Nova Laguna, directora do Centro Juana Azurduy, na Bolívia, no prólogo do livro de Wexler.

"Os historiadores conseguiram fazer com que o imaginário social associe os feitos históricos importantes ao 'homem', não somente em um sentido biológico, mas também dentro de um conceito cultural e de género". É habitual ler-se em documentos que contêm informações sobre as lutas emancipadoras da América do Sul que as mulheres lutavam com 'virtudes sensíveis', enquanto que os cavalheiros eram os que tinham 'profissionalismo militar'", diz a historiadora.

Assim mesmo, Wexler explica que as mulheres tiveram papel crucial em cada um dos processos sociopolíticos da história. "A mesma sociedade machista não as deixava ocupar lugares. Por isso aparecem tão poucas. A história do Peru está cimentada sobre heróis e heroínas anónimas. Algumas são reconhecidas pela história, como Azurduy.

Estamos nos esforçando para descobrir outras mais", disse.

A história da humanidade parece não estar somente escrita por homens, mas também vivida por eles. Os que a escreveram encarregaram-se, de fazer com que não aparecesse a luta dos oprimidos e menos ainda a das mulheres.

Os relatos dessa parte do continente tiveram mulheres como protagonistas, exemplo de luta e de decisão na recuperação de direitos ancestrais de povos originários e na construção da riqueza política latino-americana. São os relatos que não se ensinam na escola, diferentes daqueles que ilustravam mulheres bordando bandeiras, cozinhando ou tendo filhos enquanto eram apenas os homens que lutavam pelos povos.

Em cada época e de maneira recorrente e inexorável, as mulheres foram excluídas das decisões sociais e políticas. Apesar de terem conquistado avanços, ainda há muitas histórias a serem descobertas e terrenos a serem ocupados.

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