Papagaio loiro de bico amarelo
Como eu tinha dito há uma semana, como eu tinha dito há um ano, como eu tinha dito há dois anos, de repente os figurões da nossa praça iluminaram-se retroactivamente, eles bem tinham avisado que o progra-ma da troika estava mal engendrado, eles bem tinham avisado que as medidas da troika iriam aumentar a recessão, o desemprego, que as receitas dos impostos iriam baixar, tudo eles previram, outra coisa não fizeram do que avisar e prever no tempo que ocuparam, e ocupam, nos meios de comunicação social.
Assim, com esta ligeireza, põem-se a salvo de qualquer crítica de também eles, pela formatação da opinião pública, terem a sua quota-parte do estado do país. São os impolutos, os inimputáveis, tal como os governos que aldrabaram o povo vão sendo sistematicamente reeleitos também os papagaios vêem os seus lugares garantidos saltitando de estação em estação, os espectadores, os ouvintes ou os leitores é que têm cabeça dura e nunca foram capazes de os acompanhar. Temos mesmo já papagaios entre os papagaios, especializaram-se, são disputados pelas estações de tv, tornaram-se exemplo a seguir pelos jovens aspirantes que lhes copiam os tiques, a arte da mentira, o larvar sorriso quando apanhados a nu, rapidamente se juram vestidos da cabeça aos pés com as melhores marcas de vestimenta, mostram as etiquetas como quem apresenta o diploma do curso tirado na mais prestigiada universidade, atrofiando o pacato cidadão já às voltas com outros aldrabões no governo. Nasceram com a ciência feita, para eles tudo é exacto, tudo está sempre certo, têm pena, muita pena, dos que como eles não conseguem ver, consideram-se ungidos pela ciência do saber, eleitos para guiar o cidadão comum, mais ainda se for cidadão-eleitor.
Até há uns tempos preparavam as suas intervenções e perorações nas instalações do partido, agora encurtaram caminho e fazem-nas ao vivo nos próprios meios de comunicação social. Deslumbrado o cidadão-eleitor assiste fascinado semana após semana, zapping após zapping, às vezes desconfia mas a convicção dos papagaios acaba sempre por se lhe impor, principalmente quando sacam do argumento letal: eu já tinha avisado!
Atarantado o cidadão emudece, encolhe os ombros, solta um " ah, pois, às tantas..." e recosta-se no sofá que entretanto vai começar o próximo episódio da quarta telenovela do dia.