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Salvo-conduto

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08
Out08

A família Rodriguez e o cardeal

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Jesús Rodríguez, de 65 anos, passou toda a vida à procura dos corpos do seus quatro tios, Francisco, de 38 anos, Nicolás, de 35, Mariano, de 27, e José, de 18, fuzilados em 14 de agosto de 1936 em La Serna (Madrid), e agora que por fim os encontrou, não quer esperar nem um minuto mais para recuperar os seus corpos e enterrá-los com o resto da família, não contava no entanto com a "resistência" de um bispo.

Por isso, depois de 20 dias de silêncio do arcebispado de Madrid (à frente da qual está o cardeal Rouco), proprietário do terreno onde se encontra a fossa onde jazem os seus familiares, recorreu à justiça para solicitar ao juiz da Audiência Nacional, Baltasar Garzón, que se dirija à "preguiçosa" entidade para que autorize a exumação.

O geo-radar, uma máquina que a Guarda Civil utiliza para localizar corpos, arsenais de armas ou fardos de droga debaixo da terra, detectou, no passado dia 9 de Setembro, que no lugar a que conduzia a informação recolhida anos antes por uma investigação, a terra tinha sido removida para enterrar corpos, quase com toda a segurança, os dos quatro tios de Jesús Gutiérrez e outros quatro vizinhos, dois deles parentes dos quatro irmãos. Os seus apelidos: Lamela, García e Vega.

Jesús escreveu rapidamente ao alcaide e ao padre da aldeia. Marisa Hoyos, da Associação para a Recuperação da Memória Histórica, que deu o empurrão definitivo à investigação de Jesús, telefonou ao arcebispado. Como a resposta teimou em não aparecer, decidiram recorrer ao juiz.

"Estavam todos em casa dos meus avós porque lhes tinham pedido ajuda para a colheita no campo. Os falangistas foram buscá-los de noite, enquanto dormiam. Às três irmãs deixaram-as tranquilas. O meu pai livrou-se porque como era o único que estava casado ficou em Madrid a cuidar da mulher e dos filhos", explica Jesús Gutiérrez.

Naquela noite de 14 de Agosto, Maria perdeu quatro dos seus cinco filhos varões. "A minha avó ficou cega pouco depois de pura tristeza", afirma Gutiérrez.

O seu pai só soube do ocorrido muito tempo depois. Não lhe disseram nada e foi combater para a frente.

"Apanharam-o e enviaram-o para um campo de concentração. Quando regressou a casa contaram-lhe que era o único dos irmãos que estava vivo. Ficou destroçado, triste", recorda Gutiérrez.

Jesús não conheceu os quatro tios que procura na fossa de La Serna. Mas herdou a amargura de uma família que perdeu quatro dos seus membros num só día. "Sou o último que resta. É minha obrigação procurá-los e tentar enterrá-los dignamente, todos juntos, com o resto da família", assegura.

Nos seus anos de busca, Jesús Gutiérrez tropeçou muitas vezes com esse medo que impede, 70 anos depois, de falar com os sobreviventes, mas também com confissões emocionadas, como a de um homem que localizou  numa residência e que podia ter sido o nono corpo dessa fossa em jazem hoje os seus tios. "Escapou graças a um tenente que o levou a um caminho e lhe disse: 'Corre e não voltes até que termine a guerra!".

Não acredita que o arcebispado continue a negar-lhe a possibilidade de abrir a terra onde foram enterrados há 72 anos para enterrá-los num cemitério com os seus. "Não lhes resta outro remédio que deixar-nos fazê-lo, porque as coisas já não são como eram. Abriu-se uma via legal para localizar as vítimas, há uma pressão das famílias que não havia antes. Porque esta gente existiu e tinha uma família. Roubaram-lhes a vida na melhor parte. A quatro jornaleiros humildes!", indigna-se Jesús. "O único que pertencia uma associação de esquerda, o sindicato UGT, era o mais velho. Ninguém tinha feito nada de mau. Não merecem estar onde estão".

Nem nós merecemos uma igreja como o arcebispado de Madrid.

 

Fonte: Elmundo

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