Casas Solidárias
Sócrates, a mascote do bairro, só sabe estorvar. Calma, é outro Sócrates! É um porco de 270 quilos, que se planta no caminho dos rapazes que acarretam madeiras e placas de zinco desde o camião até à obra: uma casa de 18 metros quadrados suportada por pilares para evitar o contacto com o lodo, quando vêm as inundações. Não será um chalet daqueles que aparecem na revista "Casa e Jardim", mas significa uma grande diferença para aqueles que até agora se alojavam em barracas de cartão e plástico.
A dona da casa em construção é uma mãe tão jovem que parece ser a irmã dos seus filhos. Esgotada a paciência, enxota Sócrates com um pau, para júbilo dos pedreiros amadores e dos vizinhos que vieram deitar uma mão. Apenas o quadrúpede desaparece, volta o ruído dos martelos e das pás. Uma melodia agradável ao ouvido dos cerca de 2.000 habitantes de 13 de Julho, um aglomerado de barracos a Oeste de Buenos Aires.
Quando Rodrigo Medina lhes disse que a organização "Um Tecto Para o Meu País", planeava construir 47 casas, a primeira reacção das pessoas foi perguntar-lhe por quem teriam de votar ou a que comício tinham de assistir para candidatar-se ao projecto.
A estas pessoas, submetidas desde sempre às práticas do clientelismo político, parecia-lhes um conto de fadas que, pela quantia de 380 pesos e um pouco de ajuda da sua parte, pudessem obter uma casita como Deus manda. Só se convenceram de que o assunto era sério, quando os camiões atravessaram a ponte que separa o aglomerado da localidade de José León Suárez, seguidos pelos autocarros que traziam os voluntários. "Ao princípio deu-nos vergonha que vissem o lixo que se amontoa nos caminhos e a gente que consome drogas à vista de todos. Mas mais culpados nos sentimos por ter duvidado da boa fé destes rapazes", diz Estela, a "alcadessa" da comunidade.
Nesta campanha que se desenrola nos bairros marginais da capital argentina, participam 1.500 jovens de toda a América Latina. Também participam uns quantos espanhóis que frequentam a Universidade de Buenos Aires.
Identificamo-los facilmente pela pronúncia, mas eles recusam-se a falar ou a tirar uma fotografia. "Nós, espanhóis, estamos a fazer má figura com essa atitude de aparecer na imprensa como redentores do Terceiro Mundo", explica um deles.
Os voluntários de um "Tecto para o Meu País" já socorreram os desalojados dos terramotos em El Salvador e no Peru.
A organização conta com uma equipa de intervenção rápida para intervir nesses cataclis-mos. No caso do aglomerado 13 de Julho, intervêm para substituir-se a um governo que se preza de "progressista" e de impulsionar um modelo de crescimento "com inclusão social". Como música dum qualquer hino soa bem, outra coisa porém é atravessar a ponte e verificar as condições em que vive esta gente.
Por esta altura estarão vocês a pensar que não havia necessidade de ter metido o raio do porco na história, mas pensem nisto: não fora o porco e vocês não saberiam provavelmente deste trabalho da organização "Um Tecto Para o Meu País". Bem sei, bem sei que ele não merecia este nome, coitado. Acreditem, o porco existe e chama-se mesmo Sócrates...
Fonte: Elmundo