O 'Auschwitz' da ditadura argentina
Não foi só na Europa que existiram ou existem campos de concentração, também em África, no Médio Oriente e na América Latina. Desta última vou quedar-me sobre um que existiu na Argentina conhecido como Escola Mecânica da Armada (ESMA) e que o governo daquele país pretende transformar no primeiro centro internacional de Direitos Humanos.
Por esse inferno, o maior centro de torturas e extermínio da 'guerra suja', desfilaram 4.500 guerrilheiros e opositores políticos. Terminaram embarcando nos 'voos da morte', ou seja, foram lançados vivos e nus para a noite do Atlântico desde aviões militares.
Só sobreviveu uma centena de sequestrados. Mas a Cecília, que estava grávida e a outras prisioneiras em igual situação, os carrascos permitiram-lhes certos 'privilégios': estar sem canga e sem grilhetas, embora não a salvo das torturas.
Os carrascos diziam que às mulheres grávidas as mantinham com vida porque ideologicamente condenavam o aborto.
Alimentavam-nas e até lhes traziam roupas. Permitiam que elas escrevessem cartas aos seus familiares, que nunca chegariam ao destino.
Nesse 'Auschwitz argentino', Cecília deu à luz filho, fruto de sua relação com Hugo Penino, também sequestrado. O casal quis que se chamasse Javier e confiou que os carrascos o entregariam à avó. Mas a jovem criatura foi apropriada como 'despojo de guerra' por um repressor.
De Cecilia e Hugo nunca mais se soube, integram a lista de 30.000 desaparecidos na ditadura. Por sua vez, Javier deu-se conta aos 21 anos, navegando na Internet, que não era filho do capitão de navio Jorge Vildoza, voltou a Buenos Aires e recuperou a verdadeira identidade.
Pelo menos outras 14 prisioneiras grávidas deram à luz na ESMA e nenhuma sobreviveu. Depois de assassinar as mães, os auto-denominados 'cavaleiros do mar' da Armada argentina repartiam os bebés como se fossem cachorros órfãos.
Hoje o cenário do horror que foi a ESMA, um prédio de 17 hectares no centro de Buenos Aries, está vazio de militares. Só o habitam os fantasmas das vítimas e ali funciona o Centro Cultural da Memória 'Haroldo Conti', escritor desaparecido.
Há poucos dias, o director geral da UNESCO, Koichiro Matsuura, e a presidenta da Argentina, Cristina Fernandez de Kirchner, celebraram um acordo para ali erigir o "Primeiro Centro Internacional de Promoção e Protecção dos Direitos Humanos", que contará com o apoio daquele organismo internacional e que será uma ferramenta para a construção da memória.
Por cá em local semelhante a este constrói-se um condomínio fechado...
Fonte: El Mundo